quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Resposta do Dep Soares ao jornalista

Caro Cláudio Prisco Paraíso,

Só agora consegui tirar um tempo para fazer alguns comentários sobre tuas notas "Barril de Pólvora" e "Providências", publicadas no Jornal "A Notícia" deste dia 25 de março.

Vou tentar fazer observações rápidas, para não tomar muito teu tempo, caso consigas ler:

1 - A Polícia Militar sempre foi dirigida por interesses político-partidários, visto que é uma instituição comandada pelo governador do Estado, um cargo político. A escola do comandante, e dos demais cargos de poder, sempre seguiu motivações políticas, desde 1835. A diferença é que na maior parte desse tempo, apenas os oficiais, e, especialmente, os oficiais superiores, faziam política no quartel e usavam o quartel e o conjunto da instituição para fazer política. Ou é mentira que a PM sempre serviu aos interesses político-partidários do governador de plantão, que dizia para o comandante como a PM deveria agir? É assim hoje, e era assim no passado. Agora, que os praças também entenderam que numa sociedade tudo se resolve pela política, e passaram a buscar participação, então alguns coronéis, especialmente os do passado, estão vindo com essa conversa de que o probleme é a política no quartel, como se eles, no passado, não andassem também "jantando" com os caciques da política tradicional.

2 - Concordo com você que tem um monte de oficiais, e alguns praças, vivendo em cargos comissionados, empenhando, inclusive, entidades associativas para auferir um espaço em alguma "boquinha", desde assessoria de deputados, vereadores, câmaras municipais, secretarias de Estado. É só ver onde estão os presidentes de algumas agremiações supostamente representativas de praças.

3 - Os praças do século XXI não são os mesmos do século XIX e XX. Foi-se o tempo a obediência cega. Não existe mais o soldado da Guerra do Paraguai, apto a obedecer qualquer ordem, mesmo tratando-se de um crime contra a humanidade. Faz tempo que os praças se deram ao direito de pensar, e, o que é melhor, de dizer o que pensam. Alguns "notáveis" acreditam e defendem que isso é um mal, que talvez seja essa a raiz de todo o drama, pois a hierarquia e disciplina que eles defendem é essa, a obediência cega, obtusa, animalesca. Da nossa parte, pensamos que a capacidade de pensar com visão mais ampla do que conseguiam pensar os soldados da Guerra do Paraguai, a capacidade de elaborar prossupostos racionais e voltados para mudanças almejadas e democráticas na instituição militar não é destruir a instituição, não é acabar com a hierarquia e disciplina. Pelo contrário, essa capacidade da maioria de hoje, no nosso ponto de vista, é justamente a "galinha dos ovos de ouro", é o que as instituições militares catarinenses (PM e BM) têm de melhor. É essa capacidade que pode dar sobrevida e desenvolvimento às instituições diante de uma sociedade global e nacional que se moderniza. E isso, se feito de forma refletida por todos, num processo permanente de retro-avaliação, não afeta a hierarquia e a disciplina. Pode, isso sim, reafirmar a hierarquia e a disciplina exercida de forma consciente e coletiva.

4 - Nenhum dirigente se afirma a não ser pela capacidade de dar solução para os problemas e pelo exemplo de despreendimento, correção de conduta, espírito de sacrifício, cumprimento da palavra empenhada. Desde a antiguidade os grandes generais foram aqueles que se preocuparam com a vida dos seus soldados. O grande comandante deve ser o último a comer, o último a dormir, e o primeiro a levantar. E isso não é um puritanismo de botequim, não! Quando o comandante come primeiro, os últimos soldados ficam sem comida. Como o comandante é o último a comer, os responsáveis pelo abastecimento cuidam para que quando o último soldado for se servir ainda exista comida de qualidade, pois logo em seguida virão os comandantes. Aqui em Santa Catarina, a história das duas últimas décadas tem sido o contrário disso. Os comandantes querem ficar longe dos comandados na hora de discutir salário. Resolvem primeiro o deles, com o discurso hipócrita de que, eles conseguindo, depois o governo é obrigado a ceder para todos. E isso nunca acontece. Neste momento, inclusive, nossos comandantes estão pensando em como fazer para nos passar a perna, mais uma vez.

5 - A primeira anistia que Luiz Henrique concedeu foi para mais de cem praças que foram punidos em virtude de terem participado de um movimento liderado pelos oficiais no final do ano 2000. Com a eclosão do movimento liderado pelos oficiais, governador de então, Esperidião Amin, concedeu 2,5 soldos (R$ 1.200,00 à R$ 1.700,00) aos oficiais, e estes deitaram o chicote no lombo dos praças que se recusaram a voltar à "normalidade" depois do aumento de salário para os oficiais. Você escreve que as punições foram "legalmente aplicadas", e isso é discutível, porque expor praças à humilhação, coagir, tergiversar sobre a verdade, não é a forma mais legal (e muito menos legítima) de se aplicar uma lei. Chamar os praças para a mobilização, ganhar um agrado do governador, o famoso "cala-boca", e depois punir quem veio participar, é uma atitude condenável, sobre vários pontos de vista. E essa não foi a única vez que eles tiveram aumento diferenciado de salários, e puniram praças que se manifestaram contra. Aliás, vem desde 1992 essa saga, e iniciou quando um coronel era deputado estadual eleito por oficiais e por praças.

6 - Quando os meios de comunicação, e seus principais articulistas, afirmam que o que foi feito pelos praças caracteriza "motim", ou "revolta", estão contribuindo para a condenação prévia de dezenas e centenas de policiais e bombeiros honestos, decentes, elogiados dezenas de vezes, condecorados por bons serviços prestados. Se foi motim o que aconteceu em dezembro, como afirmam os principais veículos de comunicação, já estão todos condenados, sem ao menos terem o direito de defesa. Não foi motim, nem revolta, nem desobediência. As esposas e familiares puxaram o movimento, indo para as frentes dos quartéis. Queriam os soldados da Guerra do Paraguai, capazes de atropelar a matar os próprios familiares para obedecer uma ordem? Podem dizer que isso foi um truque nosso. Não o foi! Em 11 de dezembro de 2008 as mulheres, em Assembléia Geral delas, só delas, atropelando outro encaminhamento do comando articulado do movimento, decidiram que iam começar a fechar os quartéis naquele mesmo dia. E o fizeram. A nós, Diretoria da APRASC, reunidos noutro lugar, não sobrou alternativa a não ser ir apoiar. À partir daquele dia estava deflagrado o movimento, e o que nós fizemos foi apenas buscar dar um compasso, até para ver se o governo tomaria uma atitude capaz de evitar o pior. Não tomou a atitude de estadista que deveria ter tomado. Pelo contrário, enterrou a cabeça na pedra e esperou o mundo vir abaixo. Quando se manifestou, foi para piorar a situação.

7 - Nós evitamos que o pior acontecesse, pois mantivemos a racionalidade e a atutude pacífica do movimento mesmo diante de cinco episódios em que oficiais sacaram armas para as mulheres. Aliás, na tarde de natal, grupos de oficiais, à revelia do comandante, resolveram determinar o ataque armado contra nosso movimento. Mais uma vez, pela atitude altruísta de muitos companheiros não houve uma desgraça. A decisão do Comando do Movimento (na minha ausência naquele momento) foi por orientar a que ninguém usasse armas. E olha que tínhamos sete batalhões onde poderíamos fazer o que quiséssemos. Aí pergunto: fomos nós que organizamos ou buscamos organizar "grupos (armados)"Hein???

8 - Não sou o comandante, nem de fato, dos praças. Sou deputado estadual legalmente eleito, pelos praças, familiares e alguns outros. O motor desse mandato são os praças, e eu nunca neguei isso. Nunca fiz concurso para oficial da Polícia Militar, não tenho pretensão de ser o comandante, não sou usurpador de função. Defendo apenas que todos os policiais e bombeiros devem ser protagonistas das instituições a que pertencem, e isso, como exposto acima, não é um mal, e sim o aproveitamento do que temos de melhor nas instituições militares, os seus homens e mulheres. Como deputado, como liderança dos praças, não me furto a defender teses, ouvir muito, falar bastante, buscar as razões mais profundas dos acontecimentos, todos eles. Se permitirem que um praça possa sugerir algumas saídas para a situação, não duvidem que teríamos muitas sugestões, e podem ter certeza que todas elas seriam acatadas pela maioria dos policiais e bombeiros e aprovadas com aplauso pela população, que paga nossa existência e que deveria ser a destinatária única dos nossos esforços. Se os comandantes ouvissem de verdade um pouco do que temos a dizer, a segurança pública seria muito melhor, e poderia melhorar muito ainda. Dizer que eu sou o comandante "(de fato) 'das' praças" não corresponde ao que penso, e até me envergonha, pois a coisa está muito ruim. Se metade das minhas sugestões fossem colocadas em avaliação pelos comandantes, melhoraria bastante. E não é porque sou eu, não! A maioria dos praças têm muito a dizer para melhorar efetivamente a segurança pública. Os estertores das instituições militares existem justamente porque a cúpula não admite que praça possa saber algumas coisas melhor do que eles.

9 - E nós não queremos a barbárie, o caos, a "baderna". Nós queremos apenas JUSTIÇA, que começa pelo tratamento proporcionalmente igual com relação aos salários. Nós queremos ser ouvidos. Nós não admitimos que a alma das instituições militares sejam alijadas, aniquiladas, soterradas por vontades subservientes, mesquinhas, pequenas, desprovidas de capacidade de refletir os objetivos maiores das instituições. Os regulamentos, em parte, são inconstitucionais. Mas, mesmo que sejam legais, precisam ser aplicados com igualdade, para oficiais e para praças. Pode ser legal um regulamento que pune com menos rigor um servidor que maltrata a população do que um servidor que deixa de fazer a barba corretamente, ou de passar bem a farda??? Bom, pode até ser legal, mas não é legítimo, e podemos perguntar isso para a população!

10 - Como querem que se comportem servidores que dedicam a vida para defender a população, que salvam vidas quase todos os dias, que realizam partos em situações de emergência, que morrem dentro de uma mina para salvar o mineiro, que entram em prédios pegando fogo, que enfrentam bandidos com metralhadoras... e são tratados pelo Governo e pelos seus comandantes como moleques, como marginais??? O que querem que façamos se o Governo está tentando como um alucinado dissolver a maior entidade representativa de servidores da segurança pública??? Não somos "um pequeno grupo de baderneiros" (como dizem alguns)! A APRASC sozinha tem duas vezes o número de associados que todas as outras entidades representativas de servidores da segurança somadas, isso considerando praças, oficiais, delegados, base da Polícia Civil, agentes prisionais. É essa entidade que querem dissolver na justiça (felizmente a justiça tem sido sábia!)? Se conseguirem seu intento, o que pensam que pode acontecer? Alguém pensa que voltaremos a ser os soldados da Guerra do Paraguai?

Para concluir: queremos justiça salarial; queremos que o Plano de Carreira dos praças caminhe de forma mais célere; queremos a reformulação democrática dos códigos e regulamentos militares (preservando a hierarquia e a disciplina); queremos que os comandantes comandem com sabedoria, bom senso e ouvindo quem realmente faz o serviço; queremos que pais e mães de família sejam respeitados como servidores públicos concursados e não como capachos de alguns prepotentes que só se afirmam pelo poder da caneta. QUEREMOS PAZ, DEBATE DE IDÉIAS, IGUALDADE (proporcional) DE TRATAMENTO, CRESCIMENTO INSTITUCIONAL. QUEREMOS VIDA INTELIGENTE NA CASERNA!!! Os que nos satanizam querem a volta ao passado, querem a "escuridão medieval", querem nos transformar no que não somos: marginais!

Respeitoso abraço, e desculpe pelo tamanho da prosa!

2º Sargento RR Amauri Soares
Deputado Estadual Legal e Legítimo

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